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Poesia relacionada com a espiritualidade e as religiões de matriz afro. brasileira

 

 

 

O Olhar de Exu

 

 

Olhar penetrante, que rompe os sentidos da alma,

com olhos que tudo vêem, e dizem mais que mil palavras,

olhar de quem conhece os mistérios da criação,

com olhos raiados pelo silêncio do mar,

 

 

Olhar que carrega, a glória da palma,

com olhos tão cegos, irmãos da justiça,

olhar de fogo, que sustenta a razão,

com olhos tão fundos, maiores que o luar,

 

 

Olhar coroado da fúria mais calma,

com olhos cobertos de feridas abertas,

olhar que espelha, os segredos do coração,

com olhos que outrora souberam amar.

 

 

Lisboa, 27 de Dezembro de 2010 © Paulo Lourenço “Ramiro de Kali”

 

 

 

 

Perdoa-nos Jesus

 

 

Perdoa-nos Jesus,

perdoa-nos meu pai,

não vencemos a maldade,

e te matámos na cruz,

 

 

Tínhamos ouvidos, mas não te escutámos,

tínhamos olhos, não víamos o teu caminho,

tínhamos coração, não sentimos o teu amor,

 

 

Perdoa-nos Jesus,

perdoa-nos meu pai,

mergulhámos na escuridão,

e te matámos na cruz,

 

 

Tínhamos boca, mas sempre te negámos,

tínhamos pernas, mas caminhavas sozinho,

tínhamos mãos, e não te ajudamos na dor,

 

 

Perdoa-nos Jesus,

perdoa-nos meu pai,

não aceitámos a verdade,

e te matámos na cruz.

 

 

Lisboa, 9 de Julho de 2010 © Paulo Lourenço “Ramiro de Kali”

 

 

 

 

Exu de Lei

 

 

Salve o povo da rua!

Que nos protege, e nos vigia,

em cada esquina, em cada lugar.

Que nos acompanha para todo o lado,

em qualquer hora, em qualquer lua.

Exu é pai, Exu é guia.

Pelo seus filhos vive a lutar,

e tantos o chamam para o caminho errado.

 

 

Meu pai perdoai-lhes a ignorância,

a ganância e o ódio, cega as pessoas,

a sede do poder fala mais alto,

e o valor do ser, dá lugar ao ter.

São como crianças na sua infância,

querem ser reis, e na cabeça coroas.

Mas esquecem que a queda depende do salto,

e no fim o que ganham é saber perder.

 

 

Meu pai Exu é rei na magia.

Desfaz embaraço e corta demanda.

Abre os caminhos, mas pode fechá-los,

quem manda é Exu, na lei da Quimbanda.

Dai-nos um pouco da sua alegria,

dai-nos um pouco do seu sorriso.

Protegei meu pai, quem for de direito,

e para os demais, que faça o juizo.

 

 

Almada, 6 de Junho de 2008

 

Extrato da obra - “Orixás em poesia” de Paulo Lourenço «Ramiro de Kali» Copyright © 2008

 

 

 

 

Espirito do Vento

 

 

Vento que sopra em meu coração,

me leva no colo sem dizer para onde vai,

carrega memórias de tempos passados,

e vozes que ecoam pela eternidade,

são murmúrios de dor e sofrimento,

são cânticos de riso e felicidade.

 

 

Vento que sopra sem direcção,

girando em espiral, subindo e descendo,

desenha na areia seu retrato abstracto,

escreve nas nuvens seu nome em segredo,

e servindo de alimento ao fogo,

se torna a paixão que quebra o rochedo.

 

 

Vento que sopra na escuridão,

é minha espada, meu escudo e meu elmo,

é raio de luz, é meu guardião,

morada da força, que faz e desfaz,

que guia meus passos na vida e na morte,

é voz feminina, guerreira da paz.

 

 

Escrito e dedicado para Mãe Baby de Oyá.

 

Almada, 7 de Julho de 2009 © Paulo lourenço “Ramiro de Kali”

 

 

 

 

Os ciganos vão para o céu

 

 

Povo andarilho, sem terra e sem destino,

que faz dos caminhos o seu lar,

e das fogueiras que iluminam as noites,

nasce o amor em seus corações.

 

 

Povo mal amado, tão mal rejeitado,

que faz dos seus trapos seu luxo,

da carroça seu melhor bem,

e melhor amigo o cavalo.

 

 

Povo que toca guitarra, companheiro da cigarra,

que cedo conhece o amor,

e na mais terna juventude,

aprende a lição da vida.

 

 

Povo sofrido, mas nunca vencido,

e mesmo na morte têm alegria,

pois sabem que sua tão grande familia,

espera por eles nas portas do céu.

 

 

Almada, 18 de Março de 2009 © Paulo Lourenço "Ramiro de Kali" 

 

 

 

 

Coroa de Preto-Velho

 

 

A fumaça que sai do meu cachimbo,

forma nuvens quando encontra o céu,

e das lágrimas que me caem do rosto,

nascem rios que correm sem gosto,

formando na terra o mais belo ilhéu.

 

 

Sou preto, sou velho, fui escravo,

fui por Deus coroado.

 

 

Hoje espalho no mundo mensagens de fé,

trazendo esperança com minha humildade,

deixando sementes de caridade,

secando a mentira e regando a verdade.

Trago comigo arruda e guiné,

caminho descalço em cima de espinho,

quebro mironga e curo doença,

habito cabana ao pé de cruzeiro,

trabalho aqui e no mundo inteiro.

 

 

Sou preto, sou velho, fui escravo,

venho por Deus ordenado.

 

 

Almada, 31 de Janeiro de 2009 © Paulo lourenço “Ramiro de kali”

 

 

 

 

 

Pombagira

 

 

Sou uma rosa, sou um perfume,

sou a mais bela de qualquer jardim,

oiço lamentos, oiço queixume,

não há mulher que não venha até mim.

 

 

Sei seduzir, me deixo seguir,

a palavra dificil para mim não existe,

de preto e vermelho, ou sem me vestir,

homem algum a mim me resiste.

 

 

Bebo champanhe, fumo cigarro,

digo mil coisas sem nunca falar,

sei ler na mão, jogo o baralho,

a mim só me engana quem eu deixar.

 

 

Se alguém precise e me queira encontrar,

siga o perfume em noite de lua,

diga meu nome sem se enganar,

sou Pombagira, meu lar é a rua.

 

 

Almada, 6 de Junho de 2008

 

Extrato da obra - “Orixás em poesia” de Paulo Lourenço (Ramiro de Kali) Copyright © 2008

 

 

 

 

 

Circulo de Fogo

 

 

Sete espadas cravadas na areia formando um circulo,

sete velas intercaladas iluminam a noite,

no meio estou eu,

sentado no chão virado para o mar,

estou em paz, estou no meu escudo,

o circulo de fogo...

 

 

Erguei-vos Salamandras,

fazei vossas chamas chegarem ao céu,

formai a cortina de fogo como se fosse um véu.

Demónios para trás, vai-te Belzebu!

Quem pensas que és tu?

Aqui nada podes, aqui nada vales, aqui mando eu.

Sete espadas te prendam,

e para sempre serás, no mar sepultado.

Que o fogo sagrado te envolva,

pois será nele que serás julgado.

 

 

Estou em paz, e continuo sentado,

estou no meu escudo,

o circulo de fogo.

 

 

Almada, 29 de Janeiro de 2009 Copyright © Paulo Lourenço "Ramiro de Kali"

 

 

 

 

 

Caboclo Guerreiro

 

 

O meu rosto foi pintado com terra,

estou em guerra...

A morte não me assusta,

e o prelúdio de sua chegada,

só me dá mais força para lutar,

guerrear pela minha gente,

pela minha prole, e pelo que acho justo.

A liberdade acima de tudo,

pois um falcão sem asas não voa,

e a pantera sem garras não caça.

A bandeira do meu povo é da cor do céu,

e mesmo manchada de sangue,

continua hasteada ao sabor do vento.

O grande espirito falou,

fumou o cachimbo da paz,

e pediu que enterrasse o machado.

Hoje minha flecha é só para caçar,

o tambor só toca em dia de festa,

e na mata escura já não oiço bradar.

Mas nasci guerreiro e sempre serei,

caço na mata e vivo na serra,

descanso em paz, mas vivo na guerra.

 

 

Almada, 28 de Janeiro de 2009 Copyright © Paulo Lourenço "Ramiro de Kali"

 

 

 

 

 

Exu

 

 

Ao passar na encruzilhada,

em noite de lua cheia,

no silêncio da escuridão,

ouvi uma gargalhada.

Era um homem vestido de negro.

Tinha um tridente na mão,

e usava uma capa encarnada.

 

 

Ao questioná-lo quem era,

sorriu, e falou assim:

Para si, meu nome é Exu,

mas muitos me chamam de Fera.

Sou guardião dos caminhos,

sou carrasco dos perdidos,

de todos eu estou á espera.

 

 

Em tempos, já fui seu igual.

Hoje vivo no mundo dos mortos,

mas caminho no meio dos vivos.

Conheço o bem, mas também o mal.

Ajudo quem pede, se for de justiça.

Puno a maldade, puno a vaidade, e puno a cobiça.

Exu é meu nome, me chame de tal.

 

 

Almada, 6 de Junho de 2008

 

Extrato da obra - "Orixás em Poesia" de Paulo Lourenço (Ramiro de Kali) Copyright @ 2008

 

 

 

 

 

Nunca caminhas sózinho

 

 

Faça sol ou faça chuva,

seja primavera ou inverno,

estejas em terra ou no mar,

nunca caminhas sózinho,

 

 

pois eu estou contigo,

embora não me conheças,

nem sequer saibas quem sou,

sou amigo muito antigo,

do passado e do futuro,

e onde estarás eu estou,

 

 

na tristeza e na alegria,

caiam lágrimas ou sorrias,

nos caminhos mais sombrios,

nunca caminhas sózinho,

 

 

estarei para sempre ao teu lado,

vivas pela espada ou contra ela,

tenhas tudo ou tenhas nada,

para mim será apenas um fado,

pintado com aquarela,

e cantado por uma fada,

 

 

na morte e no renascer,

na tempestade mais negra,

no barco que anda no mar,

nunca caminhas sózinho.

 

 

Almada, 1 de Abril de 2009 © Paulo lourenço “Ramiro de kali”

 

 

 

 

 

O meu lugar

 

 

O lugar mais lindo do mundo,

fica mesmo junto do mar,

onde sussurram as ondas,

e as sereias se põem a cantar,

 

 

mãe Iemanjá me criou,

e me deu uma estrela do mar,

para guardar meu caminho,

e um dia voltar ao meu lar.

 

 

Almada, 10 de Março de 2009 © Paulo Lourenço “Ramiro de Kali” 

 

 

 

 

 

Ogum Beira Mar

 

 

Vem vindo ao longe um cavalo branco,

correndo na areia bem junto do mar.

Cavalgando em cima,vem um belo guerreiro.

Salve meu pai! É Ogum beira-mar.

 

 

Vem me dar força,vem me dar fé,

e com sua espada me dá protecção.

Mãe Iemanjá sua estrela me guie,

e pai Oxalá me dê sua mão.

 

 

Levai-me consigo em seu cavalo,

Ogum beira-mar,meu pai valente.

A si meu pai entrego meu fado,

na minha vida estais sempre presente.

 

 

Protege seu filho meu pai amado,

me mostre sempre o melhor caminho.

Em troca eu ajudo seus filhos perdidos,

pois sei que consigo não estou sózinho.

 

 

Salve Ogum beira-mar!

 

 

Almada, 14 de Novembro de 2007

 

Poema dedicado e escrito para Pai Pedro de Ogum pela data comemorativa de seu aniversário

 

Extrato da obra - "Orixás em Poesia" de Paulo Lourenço (Ramiro de Kali) Copyright @ 2008

 

 

 

 

 

O mundo dos Orixás

 

 

Cada dia novo que amanhece,

traz a luz de pai Oxalá,

que ilumina as terras do mundo inteiro,

e embeleza o mar de mãe Iemanjá.

 

 

Sopram os ventos de mãe Iansã,

que abraçam Xangô em sua pedreira.

Correm os rios de mãe Oxum,

e as crianças brincam á sua maneira.

 

 

As matas de Oxossi ficam mais belas,

e novos caminhos Ogum nos oferece.

Na sua calunga Obaluaiê,

acolhe ou dá cura a quem merece.

 

 

Exu se ri na encruzilhada,

e firma seu ponto com seu punhal,

e o aroma das rosas de Pombagira,

ensina a diferença do bem e do mal.

 

 

Zambi segura o mundo nas mãos,

e fá-lo girar mais uma vez,

derramando nele seu amor divino,

e em toda a criação que um dia ele fez.

 

 

Lisboa, 25 de Julho de 2008

 

Extrato da obra - Orixás em Poesia de Paulo Lourenço "Ramiro de Kali" Copyright © 2008

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